Era dia 18 de abril de 2016. Havia dado aula o dia inteiro mas, mesmo assim, tive pique de ir à uma palestra espírita de noite. Estava calor e, embora cansada, eu estava bem (adoro dias que rendem e consigo fazer uma série de coisas). Cheguei em casa, arrumei as coisas para o dia seguinte e fui tomar banho, só pensando em me deitar e dormir.
No banho, ao me ensaboar na altura do seio esquerdo, senti uma “bolinha” diferente. Achei que era impressão minha e passei a mão novamente. Era uma protuberância móvel, pequena e meio dura. Não sei descrever meu pensamento na hora, o mais próximo que consigo dizer dele é que foi um misto de medo e susto. Saí do banho e me enxuguei tateando aquela bolinha novamente, na esperança de achar algo ali que me sinalizasse que aquilo não seria nada.
Fui dormir achando que ela não estaria ali quando eu acordasse. Tenho um otimismo meio sonhador, assumo.
Mas, na manhã seguinte, ela estava lá. Que saco.
Tentei não dar bola (tentei). Então me arrumei e fui dar aula, porém, volta e meia me lembrava daquele ‘troço’ e assim, acabei falando sobre ele à uma colega de trabalho. Ela me contou que também estava com um nódulo no seio e iria operar para saber o que era. Pedi o telefone do mastologista dela. Liguei e marquei uma consulta. Só tinha para a semana seguinte. Até o dia da consulta eu procurava desencanar e tentava me convencer de que a tal da bolinha era só mais um daqueles nódulos comuns que sempre aparecem na mama, que não tinha porque ser um câncer, eu não fazia parte do grupo de risco, nem tinha histórico familiar de parente direto (mãe e avó) com a doença. Imagina, tinha certeza de que não era nada demais.
No dia da consulta eu estava ansiosa, mas ainda confiante. No exame clinico, ao apalpar a “bolinha”, vi o rosto do médico franzir. Comecei a perguntar “e aí? O que você acha?”. Obviamente ele já sabia o que era, é um profissional muito experiente (depois vim saber de seu trabalho, reconhecido, inclusive, por grande parte da comunidade médica de Campinas). Mas ele foi cuidadoso e disse que o nódulo tinha 3 características, duas boas e uma nem tanto. As boas: era móvel e tinha aspecto regular. A ‘nem tanto’: estava endurecido e isso o preocupava. Então me pediu que fizesse uma biópsia. Ainda me orientou a ficar despreocupada, que eu ia ficar boa. “Você vai ficar boa”. Essas 4 palavrinhas ficaram na minha mente o resto daquele dia, provavelmente porque seriam elas que me sustentariam no que estava por vir. Entretanto, eu relutava e achava que não poderia ser câncer. “Falou por hábito” – pensei, numa desesperada tentativa de suavizar a realidade.
Voltei dirigindo meu carro com a cabeça transbordando de pensamentos: “Não posso estar doente”, “estou recomeçando minha vida, não é justo”, “e se estiver, como vai ser?”, “eu moro sozinha, quem vai cuidar de mim?”, “como eu posso estar com essa doença, COMO????”, “não, não é…”. Esses e outros dez mil pensamentos vinham a todo momento e não saíram mais da cabeça até o dia do resultado da biópsia.
A biópsia é um procedimento relativamente tranquilo (digo relativamente porque o estado emocional da gente fica abalado já que vc sabe que está investigando algo que não conhece e que pode mudar completamente sua vida a depender do resultado que venha). Continuando. Na biópsia localiza-se o nódulo por meio de um ultrassom e então, localizado, toma-se uma anestesia local, tranquila, nem se sente a picada da agulha. O médico faz uma micro incisão na pele, bem em cima de onde o nódulo está. Em seguida uma maquininha, parecida com um revólver, tira alguns pedacinhos do nódulo para a análise laboratorial. Feito isso, cobre-se a incisão com um curativo e pede-se repouso durante aquele dia para que ele não sangre. Vai embora pra casa, com os bichinhos da ansiedade, do medo e da preocupação atrás de você.
Uma semana para o resultado. Uma semana tentando não pensar e pensando.
Ao buscar o resultado não tive coragem de abrí-lo. Na sala de espera do mastologista, meu namorado tentava me distrair, falando bobagem, contando piada… Eu tentava me focar nessas coisas pra não ficar tão nervosa. Até que o médico chamou.
“É, temos um carcinoma, um câncer de mama” – ele dizia, sem nenhum rodeio. Depois disso, acho que fiquei um tempo sem ouví-lo, embora ele estivesse dizendo bastante coisa, eu simplesmente não ouvia. Viajava nos meus pensamentos: “meu deus, tô com câncer, como? Logo eu? Eu, que nunca ia ter essa doença? Como eu vou falar isso pra minha filha? Nossa, tô com câncer, será que eu vou morrer??? Eu vou perder o cabelooooooo!!!!!”
Senti a mão do meu namorado segurar bem forte a minha e isso me “trouxe” pra dentro do consultório novamente. Eu nem sabia o que perguntar. Estava chocada, queria sair dali, queria chorar. Queria que fosse um sonho.
Mas não era e o jeito era encarar. Meio atônita perguntei ao masto o que seria feito. “Quimioterapia e cirurgia, mas vamos ver qual faremos primeiro depois do laudo imunohistoquímico”. Explicação desse palavrão: o exame imunohistoquímico é um exame que vem depois do primeiro laudo da biópsia, chamado de laudo anátomopatológico (que diz se existem células cancerosas nos pedacinhos que vc tirou do nódulo). O exame imunohistoquímico é uma espécie de genealogia do câncer que vc tem, diz qual é a origem das células que estão nele. No caso do câncer de mama, a mutação das células pode ter origem hormonal ou não. Se for hormonal, o problema pode estar na forma como as células recebem os hormônios; se não for hormonal, é um “curto circuito’ que faz as bichinhas surtarem e se dividirem feito loucas e este curto circuito pode ter origem genética (se você carregar o gene BRCA, como a lindona da Angelina Jolie, por exemlo). Esse exame é fundamental para o médico saber que tipo de tratamento será feito porque, em se tratando de câncer, cada caso é um caso e assim, o câncer de mama da sua vizinha provavelmente não será igual ao da mulher do seu chefe, ou da sua tia, ou da sua avó. Tudo depende da origem da mutação das células que estão nele.
O meu tipo era o triplo-negativo. Resumindo a ópera, basta dizer que ele não é de origem hormonal e que, provavelmente teria um componente genético (essa parte fica pra outro post).
Acho que o pior momento dessa saga toda foi o início. Descobrir o nódulo, a dúvida na consulta, o medo da biópsia, a expectativa do resultado. São etapas permeadas de medo e angústia. Foi pra mim. Depois do choque da notícia (que pra mim durou uns dois dias), a poeira começou a baixar e deu pra pensar melhor. No meu caso, logo tratei de comprar um livro, Anticâncer: prevenir e vencer usando nossas defesas naturais, do médico e pesquisador Dr. David Servan-Schreiber (olha ele clicando aqui). A leitura desse livro me ajudou a entender o que estava acontecendo comigo e, assim, soubesse lidar com o problema (eu sou assim, se tenho uma abacaxi nas mãos, preciso descascá-lo e saber tudo sobre ele, rs). Também passei a ler muita coisa sobre o assunto na internet, tomando o cuidado de ir em sites confiáveis, como o INCA e o Center Cancer. No Scielo existem alguns artigos científicos detalhando algumas coisas, mostrando pesquisas e descobertas sobre a doença. Também olhei alguns canais no Youtube de mulheres que estavam passando pelo mesmo problema e alguns blogs como o Quimioterapia e Beleza, de uma moça muito legal chamada Flavia Flores (vale muito a pena ir lá no blog, é muito alto astral!)
Tudo isso me ajudou (e ainda ajuda) a passar pelo tratamento e entender a doença, os caminhos que ela percorre e como eu posso botar-lhe freio. Entendi porque eu não era invulnerável, mesmo não sendo pertencente ao grupo de risco. Na verdade, ninguém está livre de ter câncer, basta ter DNA e célula, rs. Basta estar vivo.
Essa foi a primeira lição que o câncer me deu.
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