(Reeditado. Percebi que algumas coisinhas precisavam ser melhor explicadas….)
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Você, amiga (o) bailarina (o), já pensou, de forma profunda, na importância da dança na vida das pessoas, dos seus alunos, das pessoas que convivem com você?
Trago algumas questões, nascidas na época em que escrevia minha monografia, sobre a urgência em se levar o ensino e a prática de dança à sério.
São pensamentos profundos, que abordam a dança como um processo de conhecimento, sobre si mesmo e do que existe a nossa volta.
Vou dividí-los com vocês.
Por que é preciso levar a Dança a sério?
Bem…Para além de ser muito mais que uma forma de expressão, dançar é re-significar o mundo através da arte.
Porque você pode compreender melhor a sociedade quando percebe que toda dança está sempre submetida ao movimento histórico da humanidade. Observe um grupo social e suas danças e perceba que todas elas, folclóricas ou não, expõe um dado entendimento sobre corpo, emoções, papéis homem-mulher, vida,morte, etc. Por isso que dança também pode ser um canal para o exercício do pensamento crítico, sobre o mundo, a sociedade, seus valores e normas.

Dança folclórica russa
E pensando sobre tudo o que acontece na sociedade, você passa a considerar aquilo que pode ser transformado e como faze-lo. Olha aí a dança como canal de transformação, gente!
Através da dança podemos nos conhecer cada vez mais, e mais, e mais…Veja: ao criarmos uma dança, levamos para ela elementos da nossa compreensão de mundo, que por sua vez serão organizados dentro de uma estrutura rítmica e sonora. Mas para que vc consiga fazer esta organização, precisa perceber em si mesmo, qual é a relação entre seu corpo, o que sente e o ambiente.
Dançar é colocar no corpo a voz que não sai da garganta. Dançar é sempre comunicação – ainda que o dançarino não queira, ou não se aperceba – , porque possui um interlocutor. Existe sempre aquele que assiste e decodifica o que vê. O corpo do bailarino é a tela e seus movimentos imprimem sentimentos. A força e a intensidade dos gestos dão a entonação dessa narrativa. Acredito eu, portanto, que nós, seres humanos, que vivemos interpretando tudo e todos, somos sempre atingidos pela narrativa de qualquer dança que seja, ainda que o que nos atinja seja um sentimento de repulsa. (huuum… e por que certas danças nos repulsam?)

Ensinando dança.
Quando dançamos, estamos, num olhar mais analítico, plasmando a maneira como nos relacionamos com o mundo, de como o vemos e o assimilamos, e que valores são trazidos e/ou permanecem dessas relações.
Bem…Dança é uma (re)aprendizagem corporal. Como você se comporta diante de algo novo a aprender? Sente-se desconfortável, talvez? Natural… Toda vez que você vai aprender alguma coisa, outra coisa (que normalmente já é bem conhecida sua) precisa ser desconstruída, ou rearrumada, ou reelaborada dentro de você. Do seu ‘castelo’ de conhecimentos, derruba-se uma parede, amplia-se um cômodo, constrói-se uma nova janela. Reforma dá trabalho, poeira, e por vezes nos faz perder a paciência… Mas a medida que vamos percebendo a obra ficando pronta, mais rápido corremos para terminá-la.
Com o corpo é a mesma coisa. Todo processo de (re)aprendizagem implica numa desestruturação daquilo que já esta internalizado, ‘sabido’ no corpo. É uma adpatação a uma nova forma de mover-se. Ou seja, passar a compreender o corpo dentro de uma nova ótica de movimento. Por isso é tão incômodo às vezes. Mas perceber, ao final desse processo, que seu corpo é capaz de girar de uma forma que não girava antes é subir um degrau na sua confiança, na sua capacidade de se superar. Por ser uma atividade primordialmente psicomotora possibilita o aumento da auto-confiança e ajuda a expandir a consciência relacional da pessoa.

Workshop no espaço de Bela Saffe
Mergulhando mais profundamente nessas considerações, penso na prática pedagógica das aulas de dança. Dentre as tarefas do professor(a) de dança, uma das que eu considero fundamental para um exercíco pleno, criativo e promotor do desenvolvimento dessa arte é estimular nos alunos a observação aos discursos sociais sobre o corpo. Vejam, mexer o corpo diferente do que se faz no cotidiano, numa ordem ritmada, com ou sem uma melodia é, sem dúvida (pleno menos eu acho, rs) uma fonte de prazer… Mas também pode ser conflitante. O conflito aparece por que a forma como alguém se deixa conduzir na dança está profundamente ligado com o que ela escuta de suas ‘vozes’ internas. ‘Vozes’? Sim. Os ecos dos discursos que a sociedade coloca sobre o corpo. Que discursos são esses? Inúmeros, vou citar aquele que diz existir corpos mais ‘adequados’ para a dança do que outros, exemplo: a sobrevivência de um consenso que paira no ar das academias de dança (mas que, obviamente, ninguém profere) de que a bailarina clássica ‘ideal’ deve ser branca e quase anoréxica. Com a palavra todas as meninas gordinhas que foram fazer ballet. Quer outro discurso? Ok. Lembrem-se do que dizem por aí dos homens optam em seguir carreira de bailarinos. E se seu filho, sobrinho querido optassem em fazer jazz ao invés de futebol? Por que dança ainda é vista como coisa predominantemente feminina?
Assuntos que por si só dariam posts bem grandões e polêmicos.
Mas, voltando ao assunto… Lembrei de um trechinho de um artigo da Helena Katz (fantástica) onde ela diz isso aqui:
“… a dança acontece nas estruturas neuronais. No corpo que aprende a dançar existe um salto entre a repetição de movimentos e a sua transformação em dança (…).Tais apontamentos a respeito do trânsito entre o dentro e o fora dizem respeito a todas as instâncias do corpo. Uma vez que é o cérebro o comandante de quase todas as ações do corpo, deve-se atentar para a necessidade de pensar o corpo num contexto irrigado por informações plurais e capazes de promover novas percepções para velhas questões.”
Novas percepções para velhas questões. Isso dá um bom artigo, rs.
Muito além de ser um canal por onde exaurimos nossas emoções, o prazer proporcionado pela dança preenche um local no coração da gente que nada mais preenche. Você, concorda?

Meninas do Grupo Kairós (Salvador, Bahia). Lindas de viver.
Tá vendo? Além de ser bom, dançar serve prá um monte de coisa.
Aguardem que vem mais por aí. Enquanto isso, deem seus pitacos.
Beijos rodopiantes.
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