Lua Adversa

de Cecília Meireles

Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua…
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases como a lua…)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua…
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu…


(Cecília é uma adivinhona…)

Casamento

De Adélia Prado

Há mulheres que dizem:

Meu marido, se quiser pescar, pesque,

mas que limpe os peixes.

Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,

ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.

É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,

de vez em quando os cotovelos se esbarram,

ele fala coisas como “este foi difícil”

“prateou no ar dando rabanadas”

e faz o gesto com a mão.

O silêncio de quando nos vimos a primeira vez

atravessa a cozinha como um rio profundo.

Por fim, os peixes na travessa,

vamos dormir.

Coisas prateadas espocam:

somos noivo e noiva.

Vi no Rainhas do Lar e achei lindinho (não tinha como deixar de trazer a mesma foto, mais adequada, impossível)…. Pra vcs, casados e solteiros.

Um pouco de Clarice…

… e um pouco muito de mim.

“Acordei hoje com tal nostalgia de ser feliz. Eu nunca fui livre na minha vida inteira. Por dentro eu sempre me persegui. Eu me tornei intolerável para mim mesma. Vivo numa dualidade dilacerante. Eu tenho uma aparente liberdade mas estou presa dentro de mim.Tenho várias caras. Uma é quase bonita, outra é quase feia. Sou um o quê? Um quase tudo. Não se preocupe em entender. Viver ultrapassa todo entendimento. Renda-se como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Eu sou uma pergunta sem resposta ,curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo,mas única verdade é que vivo,sinceramente, eu vivo.Quem sou?
Bem, isso já é demais. Não se conta tudo porque o tudo é um oco nada, mas sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania,depende de quando e como você me vê passar.E se me achar esquisita,respeite também.

Até eu fui obrigada a me respeitar.”
– Clarice Lispector

Ostra.

Se você não está nos seus melhores dias… Se nada está saindo como você tinha planejado… Se o telefone tocou, mas não era aquela pessoa te pedindo desculpas pela palavra mal dada… Ou se não era do provável emprego, dizendo que vc tinha passado na entrevista… Se notou que hoje a calça está mais justa e custou pra fechar… Que seu cabelo está começando a ficar branco… Que o seu trabalho não tem nada a ver com você e o salário menos ainda… Que a relação com seu companheiro(a) está mais fria que a ponta do nariz numa noite de inverno… Enfim, se vc se sente triste e incomodado pelo o que está aí, à sua volta, lembre-se:

“ostra feliz não faz pérola” .
(de Rubem Alves. Este vovozinho que eu amo do fundo do coração.)

O Passarinho.

Admiro, devotamente, os escritores que conseguem definir em poucas linhas a vida. Eles me ajudam a entende-la melhor.

Estou (re)descobrindo Mario Quintana. Moro na mesma rua onde existe uma Casa de Cultura que leva o seu nome (e por sinal, lugar delicioso de passar umas horinhas, tomando um chocolate quente…). Tenho xeretado coisinhas ali com alguma frequencia. No acervo desse escritor e poeta, tenho a oportunidade de ver seus objetos pessoais e lembranças de seus quase 87 anos de vida. Uma viagem – deliciosa – no tempo.

Mas me demoro mesmo é em seus escritos….Adoro ler seus versos, poemas e breves análises da vida. E percebo que alguns de seus poemas e pensamentos estão de mãos dadas com o que penso e percebo do mundo. Trouxe alguns deles pra cá, pra você degustar e quem sabe se identificar com algum, assim como eu.

“Não me ajeito com os padres, os críticos e os canudinhos de refresco: não há nada que substitua o sabor da comunicação direta.”

“A arte de viver é simplesmente a arte de conviver … simplesmente, disse eu? Mas como é difícil!”

“A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda.”

“Dizes que a beleza não é nada? Imagina um hipopótamo com alma de anjo… Sim, ele poderá convencer os outros de sua angelitude – mas que trabalheira!”

“O tempo é um ponto de vista. Velho é quem é um dia mais velho que a gente…”

“Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não lêem.”

“O café é tão grave, tão exclusivista, tão definitivo
que não admite acompanhamento sólido. Mas eu o driblo,
saboreando, junto com ele, o cheiro das torradas-na-manteiga
que alguém pediu na mesa próxima.” (esse verso ele fez para mim, rs.)

“Se me esqueceres, só uma coisa, esquece-me bem devagarinho.”

“Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!”

E para finalizar…

“Um bom poema é aquele que nos dá a impressão de que está lendo a gente … e não a gente a ele!”